No último dia 04, durante duas horas e 15 minutos, os doutores especializados em Relações Internacionais Marcelo Suano e Armenio Santos, de forma inteligente, competente, focada e agradável, entrevistaram o Presidente da ANIAM – Associação Nacional de Armas e Munições, Salesio Nuhs (também Presidente e CEO Global da Taurus Armas e Vice-presidente Comercial e de Relações Institucionais da Companhia Brasileira de Cartuchos – CBC), sobre o tema “A cadeia produtiva de Defesa Nacional, sob a ótica do setor industrial, sua importância estratégica para o Brasil”. Suano e Armenio fazem parte do CEIRI – Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais.
Franco, direto e objetivo, como é seu estilo, Salesio explicou em detalhes diversas questões que caracterizam ou preocupam a Indústria Brasileira de Defesa, especialmente no segmento de armas e munições.
Inicialmente, discorreu sobre a importância da Base Industrial de Defesa, afirmando que é necessária, estratégica e fundamental para a soberania do País, mas só se sustenta se tiver um forte viés exportador e puder gerar a chamada “economia de escala”, pois as compras internas não são suficientes para sua sobrevivência. Afirmou que as empresas que integram essa Indústria representam cerca de 4% do PIB brasileiro e,
portanto, merecem uma atenção especial por parte do Governo e do País.
Ressaltou também a alta qualidade dos produtos brasileiros de defesa, que competem e se destacam no mercado internacional, afirmando que “na área de defesa não há amadores. Ou se é muito bom no que faz, ou não se sobrevive no mercado”. Enfatizou que a Taurus é segunda opção estrangeira para os americanos e a quarta marca mais vendida, com um market share de 15% lá. A CBC tem a Magtech nos EUA, que é a maior importadora de munições desse país. Finalizou dizendo que uma empresa desse setor tem que exportar entre 60 e 90% para ser viável.
Entre as dificuldades, discorreu sobre a falta de isonomia tributária que penaliza as empresas nacionais em relação às concorrentes internacionais, fazendo com que os produtos brasileiros sejam gravados com altos impostos que não são incidentes sobre os importados. Completou afirmando que as armas, por exemplo, são taxadas em percentuais similares a cigarros e bebidas, como se fossem produtos supérfluos.
Discorreu também sobre a questão regulatória, explicando que, devido à morosidade nos processos de homologação de novos produtos, as fabricantes nacionais levam meses ou anos para poder homologar e vender no Brasil um produto novo ou a modificação de um produto já existente (às vezes, apenas alterações estéticas, como a cor do cabo da arma). Nesse item, citou que os produtos importados chegam ao Brasil e aqui são comercializados imediatamente, sem nenhuma necessidade de homologação junto ao Exército.
O executivo afirmou que a ANIAM é totalmente favorável ao livre comércio e à concorrência, desde que se deem de forma isonômica e sadia. As indústrias de Defesa e Segurança estrangeiras são bem-vindas, desde que se instalem aqui, arquem com nossos custos tributários, gerem empregos e transfiram tecnologia. Itens importados, como armas e munições, são vendidos agora livremente no Brasil sem enfrentar a nossa carga tributária e sem necessidade de uma demorada homologação. Já para os aqui fabricados, a tributação pode chegar a mais de 70%, além de aguardar meses/anos na prateleira homologatória.
Segundo Salesio, esses são os principais motivos de empresas estrangeiras do ramo, especialmente as do segmento de armas e munições, preferirem exportar para o Brasil, ao invés de vir produzir aqui, transformando o País em um mero “balcão de negócios”. Por essa razão, falar em monopólio da Taurus e da CBC, segundo ele, é uma “bobagem” sem conexão com a realidade.
O executivo afirmou que a Índia e outros países fomentam e priorizam a respectiva indústria nacional de defesa, citando o exemplo do programa Make in India. Nesse tópico, revelou que, por meio da joint venture indiana firmada em janeiro de 2020 entre a Taurus e o poderoso Jindal Group, há a expectativa de o governo da Índia vir a adquirir meio milhão de fuzis T4 no futuro, quando a empresa já estiver estabelecida lá, fato este que deve se concretizar no início de 2021.Os entraves regulatórios e tributários, na visão do executivo, incentivam e impelem a Taurus, por exemplo, a sair do Brasil. “Lamentavelmente, quem poderá perder com isso é o nosso País, pois significará aumento do desemprego e diminuição da arrecadação”. Em virtude de tais empecilhos, a Taurus transferiu recentemente duas linhas de produção (de pistolas G2c e TS9) para sua fábrica nos Estados Unidos. É uma situação e uma decisão que a empresa, orgulhosa de ser brasileira, de estar no mercado há 80 anos e de ser uma líder mundial no setor, lamenta profundamente. Porém, a atual regulamentação e a lentidão da máquina pública lhe impõem essa nova realidade: produzir nos Estados Unidos e exportar para cá.
Salesio afirmou que a Taurus não irá abandonar o Brasil, mas não vai investir mais em aumento de capacidade no País. Sempre que houver requisição do mercado institucional ou do mercado civil brasileiro, a empresa irá produzir nos EUA e vender para cá, pois assim não sofrerá essas barreiras tributárias e regulatórias. Ponderou que, desta maneira, pelo menos, os consumidores brasileiros não serão privados de terem à disposição as inovações tecnológicas disponibilizadas pela empresa aos EUA e ao mercado internacional. Exemplificou dizendo que a pistola GX4, evolução da família G a ser lançada no 1T21 nos EUA, será importada para o Brasil e lançada aqui, provavelmente antes da G3 e da G3c, que são produzidas localmente e já lançadas nos EUA, mas que ainda estão aguardando o processo de homologação junto ao Exército Brasileiro. Outro exemplo é a pistola TX22, produzida nos EUA e já comercializada no Brasil via importação.
O executivo lamentou o fato de a empresa ser levada a ter que gerar empregos e riquezas em outro país, em virtude de uma legislação que hoje beneficia somente as indústrias estrangeiras que exportam para o Brasil, sem que nenhuma destas tenha compromisso com o bem-estar e com o progresso do nosso povo, pelo contrário, em especial neste momento de grave crise econômica, quando o índice de desemprego, devido à pandemia, é um dos maiores da história. Tais afirmações surpreenderam os entrevistadores, que, apesar de possuírem grande expertise em relações e comércio internacional, não supunham que o governo e o arcabouço legal existente pudessem impor tais obstáculos a empresas brasileiras que aqui produzem e geram empregos e divisas para o País.
Avalanche de pedidos
Mesmo ressaltando não ser especialista em Relações Internacionais, Salesio Nuhs não se furtou a traçar cenários para os dois resultados possíveis nas eleições americanas:”Se o Biden ganhar, a curto prazo nós teremos uma avalanche de pedidos. Hoje, a situação é muito é muito favorável a nós, porque temos uma carteira de pedidos com uma quantidade enorme de armas e munições para exportação.
Se o Biden ganhar, vai aumentar ainda mais isso a curto prazo. Porém, a médio e longo prazo nós podemos sofrer por algumas decisões, mas eu não acredito em decisões radicais nos Estados Unidos porque a Segunda Emenda [à Constituição] garante o direito de aquisição. Agora, provavelmente terão algumas restrições pequenas com relação à posse e ao porte de armas nos Estados Unidos.
Se o Trump ganhar, nós não vamos ter essa correria a curto prazo, porque entende-se que o direito está garantido. Porém, a longo prazo, a gente não teria nenhuma desconfiança com relação ao futuro dos próximos quatro anos.
Independente disso, as indústrias brasileiras, tanto a CBC como
a Taurus que exportam para os Estados Unidos, têm uma posição extremamente sólida lá. Então, não é que nós vamos perder o mercado dos Estados Unidos a ponto de balançar a estrutura aqui no Brasil. Nós temos uma posição muito forte lá. Então, vai ter uma restrição, mas uma restrição com que nós já convivemos no passado e hoje estamos muito mais fortes, porque tanto uma empresa quanto a outra se fortalecerem e aumentaram sobremaneira a capacidade de produção. A CBC é o maior importador americano de munição [além de líder mundial em munições para armas leves] e a Taurus é a segunda marca mais importada pelos americanos [e a maior produtora de revólveres do mundo]. Ou seja, existe uma preferência pelas nossas marcas”.
Pedidos à frente em carteira podem abranger quase toda a produção de 2021.
Em virtude dessa nova “avalanche” de pedidos (que pode acontecer caso Biden vença) e dos recordes de vendas que estão acontecendo também no 2S20, e ainda considerando que no final do 1S20 a Taurus já tinha cinco meses à frente de pedidos em carteira, esta Consultoria acredita que, no final de 2020, esse número possa dobrar, levando a empresa a ter 10 meses ou mais à frente de pedidos contabilizados. Ou seja, é possível prever um cenário para 2021 onde quase toda a produção da Taurus Armas já esteja comprometida com os pedidos existentes em carteira.
Por LRCA Defense Consulting às 11/05/2020 09:04:00 PM